Hoje o post é sério. Por mais que o gênero de bishoujo games/eroges não seja tão conhecido ou expressivo aqui no Brasil, a indústria de jogos do gênero anda sob maus lençóis nos últimos anos. Não estou me referindo à falta de títulos bons em comparação com os anos anteriores ou pela crise internacional que ocorreu uns bons anos atrás. No mundo real, os números dizem tudo, e nesse post veremos vários deles para ilustrar o porquê da indústria desse setor estar tão comprometida, o que ela está fazendo para sair desse abismo, e se tudo isso têm chance de terminar bem ou ter um fim bem pior que imaginamos. Pode parecer até roteiro clichê, mas o pior é que não é.
Como você já deve saber, o gênero de bishoujo games, aqueles famosos joguinhos onde você praticamente lê milhares e milhares de linhas de texto no monitor do seu computador (ou celular, tablet e similares) narrando uma história repleta de lolitas e garotas bonitas e ideais, e em certos pontos você pode influenciar em como a história progredirá e qual final você alcançará, é um gênero de jogo muito famoso no Japão, com origens em meados da década de 1980. Aliás, de tão famosos que eles são, muitas das visual novels mais famosas venderam mais que jogos convencionais (jogos para consoles como Play2, Play3 e Xbox 360), que vendem milhões na Europa e nos Estados Unidos.
Apenas para comparar, em 2000, o jogo Air, da empresa Key (Clannad, Little Busters!, Rewrite)
vendeu mais de 100 mil cópias no ano em que foi lançado. Em 2004, Clannad vendeu um pouco menos, mas ainda vendeu mais de 100 mil cópias no mesmo ano de lançamento,
perdendo apenas para Fate/Stay Night, que quase alcançou a marca de 150 mil cópias vendidas em um ano (não foi à toa que é o atual recorde de maior volume de venda anual no ano de lançamento para jogos do gênero). Em 2006, Sengoku Rance, da empresa Alicesoft,
foi o jogo mais vendido do ano, com mais de 60 mil cópias vendidas. Em 2007, Little Busters! (olha a Key aí de novo)
foi o jogo mais vendido, com pouco mais de 40 mil cópias vendidas no mesmo ano.
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O verdadeiro motivo de Fate/Stay Night ter vendido tanto... tá, não foi bem por aí, mas... |
... reparou na queda de vendas? Tirando o ano da dobradinha Clannad e F/SN (também, covardia do caramba os dois terem sido lançados no mesmo ano!), a visual novel mais vendida de cada ano teve o seu número de vendas cada vez menor, e para os demais colocados, a queda é ainda mais assustadora. Os números de vendas de títulos recentes é difícil de se obter uma vez que várias empresas foram surgindo e fica também mais difícil para calcular as vendas de cada título em específico, mas depois de tanto fuçar, consegui números que realmente dão suporte ao
argumento da entrevista do produtor da minori, Nobukazu Sakai.
Se você teve curiosidade de clicar nos links acima e ver o número de vendas, você deve ter reparado, mas caso tenha preguiça, vou ilustrar. Em 2004, Shuffle!, da empresa Navel (Oretachi ni Tsubasa wa Nai, Sekai Seifuku Kanojo), foi o terceiro jogo mais vendido do ano, vendeu mais de 54 mil cópias, enquanto Soul Link, da mesma empresa, teve o 12º lugar, com pouco mais de 30 mil cópias vendidas. Se compararmos com as vendas de 2008, ToHeart 2 foi o jogo mais vendido, com quase 49 mil cópias vendidas. Nesse mesmo ano, G-Senjou no Maou, da AkabeiSoft2, ficou em 12º lugar, mas com apenas pouco mais de 18 mil cópias vendidas.
Achou a queda expressiva? Não? Porque fica ainda pior se pegarmos o ano de 2011. Acredite se quiser, mas... lembra da Key? Aquela "empresinha" que vive tendo títulos no topo das classificações de vendas mensais e anuais? Pois bem, seu título mais recente, Rewrite,
não vendeu nem 25 mil cópias no ano de seu lançamento, e olha que estamos falando de um jogo no top 10 mais vendidos, num ano em que o título mais vendido mal chegou perto das 30 mil cópias vendidas. Sem nenhum exagero, se um jogo do gênero vendesse 10 mil cópias nesse ano, ele já entra, no mínimo, no top 30 de jogos mais vendidos no ano.
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"É, pelo visto vou ter que comer miojo por um bom tempo..." |
"Tá... quer dizer que o povo japonês está perdendo interesse no gênero, então?"
Não no gênero em um todo, mas arriscaria dizer que os japoneses estão mais preocupados com se o investimento em jogos assim estão valendo tanto a pena. O motivo é até bem simples e se aplica para jogos em geral inclusive. Assim como jogos para consoles, os bishoujo games têm um preço-base de cerca de 8.800 ienes (pela cotação atual, R$ 185,68), geralmente variando de 7.980 até 10.290 ienes (R$168,38 e R$217,12 respectivamente. Foi o caso de jogos recentes como Maji de Watashi ni Koi Shinasai! S e Natsuzora no Perseus, este último da minori). É um preço bem salgado, especialmente se compararmos com o preço de catálogo de jogos de empresas AAA (EA, Activision, Ubisoft, Capcom, 2K) que custam 6800 ienes (R$143,48) e que possuem modos online, gráficos bem feitos e uma jogatina mais atraente a pessoas de todas as idades.
Até dá pra entender que o preço é maior devido ao faturamento por jogo de empresas que fazem bishoujo games deve ser bem maior que os dessas empresas maiores, além de boas diferenças no número de empregados, títulos lançados por ano, e cá entre nós, não é todo mundo que tem paciência de ficar desenhando/colorindo/tratando centenas de CGs e sprites presentes em uma visual novel. Não é por menos que os custos de uma visual novel comum, segundo a mesma entrevista com o produtor da minori, gira em torno de 30 milhões de ienes (aprox. R$630.000,00), isso para um título com qualidade aceitável, fora os títulos de produções mais caras, como ef -A Fairy Tale of the Two- que custou mais de 1 milhão de dólares na época. O grande problema é que essas empresas estão enfrentando um dilema atualmente diante dessa situação. Nesse caso, um mero corte de preços ou inclusão de mais omakes (bônus, extras) em seus jogos apenas pioraria a situação por encarecer ainda mais a produção e gerar lucros menores ainda. Ports de visual novels para consoles têm vendas ainda mais inexpressivas que as versões para PC, além de lucro reduzido pelo preço do jogo em si. Vendas de figures e mercadorias do tipo apenas vendem bem se a série já for famosa o suficiente... então... como resolver isso?
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"Isso é muito fácil. Maru." |
Bom, uma dessas alternativas é expandir o seu mercado consumidor, que no caso foi por aí que várias empresas, ou firmaram parceria com empresas como Jast USA e Manga Gamer para que elas possam ter os direitos de traduzir os seus jogos, recebendo dinheiro assim pelo contrato e parte das vendas. Esse foi o caso de várias empresas que aos poucos estão se abrindo para o ocidente, como a Overdrive (Kira*Kira, Edelweiss, Dengeki Stryker), Circus, Navel, Softhouse Seal e da própria minori. A Jast USA também conta com bons barras-pesadas como a Nitroplus (Chaos;Head, Saya no Uta, Steins;Gate, Hanachirasu, Deus Machina Demonbane) e Peach Princess (Princess Waltz, Moero Downhill, Yume Miru Kusuri), e a tendência é de cada vez mais empresas trazerem seus títulos para tradução para ter maior faturamento com um mesmo jogo.
Outra solução foi algo como a Key está fazendo (junto com outras empresas também, claro), que é lançar versões "portáteis" de suas visual novels, podendo baixá-las em seu celular ou tablet que suporte o sistema operacional Android ou IOS por um preço bem camarada e ainda assim ter a possibilidade de poder jogar o seu jogo favorito rapidamente e sem precisar de um PC ou notebook consigo. Apesar de títulos traduzidos oficialmente para o inglês serem poucos, aos poucos eles também estão dando as caras nas lojas virtuais, como, por exemplo, a versão para IOS de
Planetarian ~Chiisana Hoshi no Yume~ e
Kira*Kira ou na
versão Android (e grátis!) do primeiro capítulo de Higurashi no Naku Koro Ni. No caso da Key, ela divide alguns de seus jogos por capítulos na versão para Android, como é o caso de Little Busters! SS, que são histórias curtas no mesmo universo da série.
Ainda tem aquelas empresas que apelam para a produção de mangás, light novels, animes e Drama CDs para aumentar o alcance da história de seus jogos ou ainda narrar a história de outro jeito, mais convidativo ao fã da série e demais pessoas em geral. É o caso da Nitroplus, que nem um mês depois de lançar Robotics;Notes já transmitia o anime da série nas emissoras japonesas, além de já possuir uma série de mangá e light novel. Nem preciso dizer que o alcance de um anime é bem maior que o de um jogo, logo, se a pessoa gostar do anime, ela passará a procurar sobre mais coisas dela como mangás e o jogo em si, e se valer a pena, é compra na certa.
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"Mou~!!" |
Mais uma vez citando a entrevista do produtor da minori, ele põe a culpa na indústria do entretenimento, que cada vez mais há pessoas e canais do Youtube e Nico Nico que proporcionam vídeos e demais conteúdo para entretenimento e, em muitos casos, são disponíveis de graça, e na pirataria, que cada vez mais "incentiva as pessoas à não comprarem o produto, e se ela for eliminada, as pessoas procurarão meios alternativos para se divertirem sem pagar". Eu particularmente achei essa "culpa" algo bem infantil e superficial, pois independente do número de pessoas que pirateiam ou não jogos desse gênero, o que realmente conta são o número de fãs dispostos a comprar o jogo.
Primeiramente, quem pirateia não tem dinheiro para comprar o original, quanto menos para arriscar em comprar um jogo que pode ou não ser bom. Comprar um mangá que você não gostou, na pior das hipóteses, você vai ter jogado fora uns 15 reais, mas comprar um jogo e se arrepender depois, estamos falando de um produto que custa 160 reais pra mais, e isso sem contar os produtos japoneses, que têm venda exclusiva para o seu território e que praticamente dobra o preço para o comprador ocidental.
Vai lá na J-List comprar um Mahou Tsukai no Yoru e você verá o que estou querendo dizer (claro, isso sem considerar alfândega e frete, né).
Segundo, é hipocrisia tentar criticar a pirataria sendo que o produto em questão não é disponível no Brasil, nos EUA, ou seja lá onde for, ou nos casos em que são, são taxados de forma abusiva sem motivo plausível. Se o produto não vendeu como esperado, a culpa é da empresa, seja por falha no produto em si (afinal, são raros os casos em que títulos all-ages vendem mais que títulos 18+... até Clannad perdeu pra Fate/Stay e mesmo assim ficou na memória de muitos jogadores de visual novels), seja nos investimentos com propaganda, seja no número de unidades produzidas e postas à venda, ou até mesmo por causa da data que o produto começou a ser vendido e os títulos concorrentes. Sabe, é como se eu esperasse que um produto venda 100 unidades, mas no final, vende só 50 e ponho a culpa em quem não comprou ou em quem só passou na vitrine para ver e não se interessou tanto.
Particularmente, acho que o problema é no número de empresas existentes. Por mais que temos algumas que já se consolidaram no ramo, temos literalmente milhares delas no Japão, e ao contrário de empresas independentes (indie), elas tentam arriscar em um gênero onde você simplesmente deve ter um padrão de qualidade alto para ser bem sucedido. Por mais que a qualidade de um jogo não possa ser medida por extras e dublagem, uma visual novel sem dublagem já é fracasso na certa no mercado japonês. Alguém aí se lembra do "crash" de 1984, onde o mercado de jogos eletrônicos quase foi à ruína de tantos consoles e jogos porcarias e "clones" de outros já existentes? É algo parecido no cenário de eroges atual. Quanto mais opção você tem, mais confuso e indeciso o consumidor fica, dividindo o volume de vendas em vários títulos ao invés de apenas títulos de certas empresas, e como assim os custos de produção continuam altos, essas empresas têm maiores riscos de falirem. Isso não significa que só devem sobrar as empresas "top" para eroges, mas que deve haver maior inovação e complexidade nas próximas obras caso elas queiram continuar lucrando e vender cada vez mais. A parceria da 5pb com a Nitroplus gerou Chaos;Head e Steins;Gate, enquanto a união dos roteiristas da Key, Type-Moon, 07th-Expansion e do roteirista de Cross+Channel gerou Rewrite... por que não fazer mais parcerias assim?
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CGs dessa qualidade, você acha aos montes em qualquer VN para PC... mas e o roteiro, qualidade de dublagem e complexidade da história? |
Bom, eu expliquei o cenário, mostrei o motivo, falei do que as empresas estão fazendo para tentarem lucrar mais com suas obras... mas e você? Acha mesmo que a indústria de eroges está fadada ao fracasso daqui a alguns anos? Ou será que isso é apenas um alerta indicando que algo bem maior virá? Qual seria o melhor caminho para que elas sobrevivessem? Deixe o seu comentário!
Out.